segunda-feira, 7 de julho de 2014

UMA CORRENTEZA CHAMADA “TEMPO” – Sobre o filme “O Curioso Caso de Benjamin Button”

A vida sempre segue adiante, seja qual for o seu curso.





Um relógio cujos ponteiros andam para trás: é assim que começa o filme “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Durante todo o filme, o objeto só aparece em dois momentos muito convenientes, no entanto só a ideia dos ponteiros em sentido contrário lembra a todo momento ao espectador o tema central do enredo: o tempo, essa correnteza contra qual é impossível lutar, mesmo para o protagonista que dá nome ao filme. Não é à toa que na mitologia greco-romana o Tempo é representado pela figura do deus Cronos, que devorava os próprios filhos. O tempo, ser implacável, só tem uma direção a seguir, mesmo para alguém como Benjamin Button.

Benjamin, recém-nascido, e sua mãe adotiva.


Benjamin Button, como ele mesmo diz, nasceu “em circunstâncias incomuns”: recém-nascido, possui a aparência de um idoso de oitenta anos. É praticamente a personificação do relógio recém-inaugurado, pois à medida que ele cresce, suas feições se rejuvenescem. Mas essa aparente “vantagem” não o isenta de sofrer perdas, preconceitos e engodo: sua mãe morre no parto; o pai o abandona devido à aparência senil, num asilo para idosos, onde é adotado por uma das empregadas; os internos, por sua vez, o tratam como adulto, ignorando que ele seja uma criança; adolescente, se torna marinheiro; participa da Segunda Guerra; adulto, envolve-se com uma mulher casada. E em todas essas situações, o tempo e a aparência influenciam direta e indiretamente sua vida, pois tido como adulto quando criança, e vice-versa, Button vive na contramão do viver, ainda mais quando se apaixona por Daisy, neta de uma das internas do asilo.

Benjamin e Daisy, ainda crianças.


Ela é a única que compreende a transformação de Benjamin, já que se conhecem ainda crianças; cada vez que se reencontram, é sempre uma intrigante surpresa para ela, pois o amigo está “sempre diferente”. Para Benjamin, é um sofrimento vê-la ficar ainda mais linda, vivendo uma vida que ele mesmo gostaria de viver. E é mais ainda, ou melhor, mais triste do que é, amá-la pura e apaixonadamente, quando lhe é impossibilitado vir a namorá-la quando adolescentes. Cada um vai para um lado, até se reencontrarem novamente, já adultos. Ela crescendo normalmente, ele rejuvenescendo ano após ano. O Tempo, este senhor implacável, é o maior obstáculo para o Amor de Benjamin. Mas isso não o impede de levar uma vida cheia de aventuras, e o mais emblemático é quando ele se torna marinheiro. Ele parece sentir que o mar é mais perfeita representação do Tempo, com sua correnteza sempre seguindo numa única direção. E ele, que nasceu nadando contra essa correnteza, aprende que a Vida tem seu curso, como o navio que atravessa oceanos. No entanto, Daisy permanece em seu coração, é a única coisa que não muda. E Benjamin sempre a encontra...

Num desses reencontros, Daisy chega a se insinuar para Benjamin, que se recusa a ceder à tentação, para a frustração dela. O amor que ele sente por ela é inocente, sem malícia, ao contrário da paixão arrebatadora pela mulher casada. Daisy custa a compreender a tamanho amor; mesmo quando Benjamin a visita no hospital, só o que ela consegue ver é o presente e nada mais – já o protagonista, este aprendeu com suas vivências que não se deve lutar contra o Tempo, por se tratar de uma guerra já perdida, pois só há um destino para todos os seres viventes. O amor dele, acima de tudo, é paciente e bondoso, e respeita Daisy e o sofrimento desta por não poder mais ser bailarina. Algum tempo depois, enfim, eles consumam o romance tantas vezes adiado, e talvez tudo seria só felicidade – talvez. Daisy engravida.

Benjamin e Daisy, já adultos.
                                

É o único momento que Benjamin teme o tempo: ele sabe que não poderá ser um pai igual aos outros. Com pouco mais de quarenta anos, tem a aparência de um jovem com metade da idade. Mesmo sob os protestos de Daisy, ele a abandona com a filha, para que ela reconstrua a vida com outro alguém que possa ser o pai e o marido que ele acredita que nunca poderá ser. E é o que acontece.

Anos depois, eles novamente se reencontram. Daisy já é uma senhora e Benjamin, agora num corpo adolescente, sabe que o tempo está se esgotando e não quer deixar nada para trás. Ele quer vê-la, senti-la, beijá-la. Daisy também. A correnteza do tempo é diferente para ambos, entretanto não os impediu de se amarem. Apesar de tudo, para Benjamin, valeu a pena viver cada minuto. Mas realmente aquele encontro será o último.

Benjamin e Daisy, no fim da vida.



A partir daí, Benjamin, à medida que seu corpo se torna o de uma criança, vai perdendo tudo o que possuía: o caminhar, o falar... Suas memórias estão preservadas num diário, mas sua mente dá sinais de demência. Daisy ainda assim o acompanha. E é nos braços dela, aos oitenta anos e a aparência de um bebê que ele deixa este mundo, ao mesmo tempo em que o relógio dos ponteiros ao contrário deixa de funcionar. Ele a olha amorosamente pela última vez e fecha os olhos para sempre – e assim termina a vida de um homem que sempre se deixou levar pela correnteza do tempo, metáfora perfeita para algo tão intrépido quanto a Vida.

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