quinta-feira, 16 de março de 2017

COMPLICADA E PERFEITINHA – Sobre o filme “Bonequinha de Luxo”

Às vezes, construímos nossas próprias jaulas sem perceber... até sermos forçados a encarar a nossa própria verdade.




 

Não é segredo algum: quando Truman Capote escreveu Breakfast at Tiffany's, ele imaginou Marilyn Monroe como sua protagonista. Pensava o autor que Marilyn possuía todos os atributos para interpretar a jovem despreocupada e incomum de sua novela, caso esta fosse adaptada ao cinema. Contudo, quando a Paramount comprou os direitos da história, os realizadores pensaram num nome completamente inesperado para interpretar Holly Golightly, naquela que entraria para a história do cinema como a “Bonequinha de Luxo”: Audrey Hepburn.


Convenhamos: pensar em Audrey Hepburn para interpretar uma prostituta era no mínimo polêmico. A atriz era conhecida por seus papéis de boa moça, como a protagonista de “A Princesa e o Plebeu” e “Sabrina”. Seria de se esperar um certo temor de ter sua imagem vinculada a uma “mulher de vida fácil” (seja lá o que tal termo signifique), contudo, Hepburn, como Holly, não era uma mulher comum: não só aceitou o papel, como mergulhou nele de tal forma que parecia que Breakfast at Tiffany's havia sido escrito para ela.

O roteiro do filme é basicamente simples: Holly Golightly é uma jovem que mora sozinha num apartamento em Nova York e sua única companhia é um gato sem nome. Ela é uma “acompanhante”, naquela época um nome mais socialmente aceitável para prostituta. Claro que o filme não mostra a personagem se relacionando fisicamente com ninguém, o que ela faz é apenas “ir ao toalete por 50 dólares” - ficando a cargo do espectador imaginar o que isso significa. Ela é totalmente descuidada com tudo e com todos, exceto pelo gato; o telefone, por exemplo, fica dentro de uma mala no chão da sala, e ela vive esquecendo as chaves do apartamento, o que acaba por torná-la um estorvo para o vizinho, o sr. Yunioshi, que não raro é tirado de sua paz pelo som da campainha que este odeia. Sem contar um e outro homem ludibriado por ela que aparece no prédio querendo “o que lhe é devido”. Tal é a rotina de Holly até a chegada de um novo vizinho: Paul Varjak, interpretado por George Peppard.



Paul Varjak é um escritor, ou melhor, um “promissor escritor”, que se muda para o apartamento acima do de Holly. Ela é a primeira pessoa que ele conhece, e logo fica fascinado com o jeito totalmente desestruturado que a jovem leva a vida. E é nela que ele encontra a inspiração que lhe faltava para voltar a escrever – e pouco a pouco, sair da dependência de sua “patrocinadora”, uma mulher rica e casada que o mantém sob seu domínio como, falando abertamente, seu brinquedo sexual.

Sexo. No filme não há nada explícito, mesmo nas ações de Holly, mas o ambiente parece ser preenchido de uma sensualidade quase ingênua. Todos querem algo de Holly: seu ex-agente, o mafioso preso, o vizinho que ela atormenta, os homens ricos que ela conhece, até mesmo seu ex-marido querem alguma coisa dela. Mas só um lhe dedica amor: o escritor Paul, a quem ela chama de Fred, devido a aparência do rapaz lhe fazer lembrar do irmão. Porém, Holly não aceita nada do que lhe oferecem por acreditar ser um espírito livre. Ela quer casar com um homem rico para tirar o irmão do exército, mas depois que este morre, tal plano parece perder o sentido; mesmo assim, Holly segue adiante à caça de um milionário, para desgosto de Paul.



Vale lembrar que o título em português que o filme recebeu no Brasil, “Bonequinha de Luxo”, serve como uma luva para Holly, não pelo fato dela ser uma acompanhante, mas por ela desejar não sentir – uma boneca não sente, certo? Sempre está com uma expressão sorridente e despreocupada, exatamente como a personagem. Ela, aliás, não é ingênua; sua vida difícil com o irmão a levou a se casar aos 14 anos, para logo depois fugir para Los Angeles e depois Nova York, e os motivos mostram bem seu raciocínio. A discussão que ela tem com Paul na biblioteca enfim revela do que ela tem medo: medo da decepção, de ser abandonada, de se desiludir. Ela não quer sentir nada, a fim de se proteger. Por isso o trabalho de “ir ao toalete por 50 dólares”: ela sabe o que faz, por isso Holly toma as atitudes mostradas no filme. É só ver a cena em que ela convence o sr. Yunioshi a não chamar a polícia, logo nos primeiros minutos: Holly promete posar para o vizinho, que diante da promessa a olha com cobiça (aí se imagina o teor das fotografias que ele imaginava…). Contudo, o ato de sentir não é algo que possa ser evitado; quando isso acontece, ela vai até a Tiffany – uma joalheria famosa em Nova York – observar as vitrines enquanto toma café – daí o título original, Breakfast at Tiffany's, “café da manhã na (loja) Tiffany” – caminhando sozinha pela rua enquanto Nova York acorda para mais um dia. “Dias Vermelhos” é como Holly chama esses momentos.
 


Contudo, nem mesmo uma ida à Tiffany melhoraria o dia de Holly quando a mesma se depara com a declaração apaixonada de Paul; ela, claro, recusa o amor do rapaz, e este, decepcionado, resolve se desfazer da vida que levava até então: dispensa sua “patrocinadora”, e vai embora do apartamento apenas com a roupa do corpo. Holly, por sua vez, sente falta da companhia do escritor, que era o único disposto a ouvi-la, e na confusão em que se mete devido às suas visitas ao mafioso no presídio, ela, depois de libertada, ouve de Paul todas as verdades de que procurou fugir por tanto tempo. É aí que há uma ruptura, entre a bonequinha de luxo Holly, e a mulher, humana, que sempre buscou por Amor, mas tinha receio de se entregar a tão valoroso sentimento. E é em meio a uma tempestade que Holly finalmente aceita o que a Vida lhe oferece, num cenário tão apropriado ao que ela tentava ser – a tal “bonequinha de luxo” – e quem realmente era. Ser uma bonequinha sem sentimentos, afinal, não é uma vida de que se possa chamar de ideal: ser humana, com o sangue correndo em suas veias, e um coração que não se importa em se arriscar é que faz tudo valer a pena.



Em tempo: uma das cenas mais queridas do filme, quando Audrey canta “Moon River”, quase fica de fora da produção. A atriz, tão conhecida pela sua simpatia, ficou extremamente brava com a Paramount e exigiu que a cena não fosse cortada. Para Audrey, Holly cantando melancolicamente a canção do premiado Henry Mancini revelava muito mais da verdadeira personalidade da protagonista do que qualquer outra cena do filme. O que, diga-se de passagem, é verdade: a cena é linda e ao mesmo tempo triste, e verdadeiramente inesquecível, o que torna o filme ainda mais clássico. Marilyn que me perdoe, mas Audrey Hepburn fez jus a um dos personagens mais célebres de Truman Capote. Não há como negar.

Aqui vai o link da cena em questão, postada no Youtube por um fã do filme. Difícil não se emocionar:




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