Não
é segredo algum: quando Truman Capote escreveu Breakfast
at Tiffany's,
ele imaginou Marilyn Monroe como sua protagonista. Pensava o autor
que Marilyn possuía todos os atributos para interpretar a jovem
despreocupada e incomum de sua novela, caso esta fosse adaptada ao
cinema. Contudo, quando a Paramount comprou os direitos da história,
os realizadores pensaram num nome completamente inesperado para
interpretar Holly Golightly, naquela que entraria para a história do
cinema como a “Bonequinha de Luxo”: Audrey Hepburn.
Convenhamos:
pensar em Audrey Hepburn para interpretar uma prostituta era no
mínimo polêmico. A atriz era conhecida por seus papéis de boa
moça, como a protagonista de “A Princesa e o Plebeu” e
“Sabrina”. Seria de se esperar um certo temor de ter sua imagem
vinculada a uma “mulher de vida fácil” (seja lá o que tal termo
signifique), contudo, Hepburn, como Holly, não era uma mulher comum:
não só aceitou o papel, como mergulhou nele de tal forma que
parecia que Breakfast at Tiffany's havia sido escrito para ela.
O
roteiro do filme é basicamente simples: Holly Golightly é uma jovem
que mora sozinha num apartamento em Nova York e sua única companhia
é um gato sem nome. Ela é uma “acompanhante”, naquela época um
nome mais socialmente aceitável para prostituta. Claro que o filme
não mostra a personagem se relacionando fisicamente com ninguém, o
que ela faz é apenas “ir ao toalete por 50 dólares” - ficando a
cargo do espectador imaginar o que isso significa. Ela é totalmente
descuidada com tudo e com todos, exceto pelo gato; o telefone, por
exemplo, fica dentro de uma mala no chão da sala, e ela vive
esquecendo as chaves do apartamento, o que acaba por torná-la um
estorvo para o vizinho, o sr. Yunioshi, que não raro é tirado de
sua paz pelo som da campainha que este odeia. Sem contar um e outro
homem ludibriado por ela que aparece no prédio querendo “o que lhe
é devido”. Tal é a rotina de Holly até a chegada de um novo
vizinho: Paul Varjak, interpretado por George Peppard.
Paul
Varjak é um escritor, ou melhor, um “promissor escritor”, que se
muda para o apartamento acima do de Holly. Ela é a primeira pessoa
que ele conhece, e logo fica fascinado com o jeito totalmente
desestruturado que a jovem leva a vida. E é nela que ele encontra a
inspiração que lhe faltava para voltar a escrever – e pouco a
pouco, sair da dependência de sua “patrocinadora”, uma mulher
rica e casada que o mantém sob seu domínio como, falando
abertamente, seu brinquedo sexual.
Sexo.
No filme não há nada explícito, mesmo nas ações de Holly, mas o
ambiente parece ser preenchido de uma sensualidade quase ingênua.
Todos querem algo de Holly: seu ex-agente, o mafioso preso, o vizinho
que ela atormenta, os homens ricos que ela conhece, até mesmo seu
ex-marido querem alguma coisa dela. Mas só um lhe dedica amor: o
escritor Paul, a quem ela chama de Fred, devido a aparência do rapaz
lhe fazer lembrar do irmão. Porém, Holly não aceita nada do que
lhe oferecem por acreditar ser um espírito livre. Ela quer casar com
um homem rico para tirar o irmão do exército, mas depois que este
morre, tal plano parece perder o sentido; mesmo assim, Holly segue
adiante à caça de um milionário, para desgosto de Paul.
Vale
lembrar que o título em português que o filme recebeu no Brasil,
“Bonequinha de Luxo”, serve como uma luva para Holly, não pelo
fato dela ser uma acompanhante, mas por ela desejar não sentir
– uma
boneca não sente, certo? Sempre está com uma expressão sorridente
e despreocupada, exatamente como a personagem. Ela, aliás, não é
ingênua; sua vida difícil com o irmão a levou a se casar aos 14
anos, para logo depois fugir para Los Angeles e depois Nova York, e
os motivos mostram bem seu raciocínio. A discussão que ela tem com
Paul na biblioteca enfim revela do que ela tem medo: medo da
decepção, de ser abandonada, de se desiludir. Ela não quer sentir
nada, a fim de se proteger. Por isso o trabalho de “ir ao toalete
por 50 dólares”: ela sabe o que faz, por isso Holly toma as
atitudes mostradas no filme. É só ver a cena em que ela convence o
sr. Yunioshi a não chamar a polícia, logo nos primeiros minutos:
Holly promete posar
para o vizinho, que diante da promessa a olha com cobiça (aí se
imagina o teor das fotografias que ele imaginava…). Contudo, o ato
de sentir
não é algo que possa ser evitado; quando isso acontece, ela vai até
a Tiffany – uma joalheria famosa em Nova York – observar as
vitrines enquanto toma café – daí o título original, Breakfast
at Tiffany's, “café da manhã na (loja) Tiffany” – caminhando
sozinha pela rua enquanto Nova York acorda para mais um dia. “Dias
Vermelhos” é como Holly chama esses momentos.
Contudo,
nem mesmo uma ida à Tiffany melhoraria o dia de Holly quando a mesma
se depara com a declaração apaixonada de Paul; ela, claro, recusa o
amor do rapaz, e este, decepcionado, resolve se desfazer da vida que
levava até então: dispensa sua “patrocinadora”, e vai embora do
apartamento apenas com a roupa do corpo. Holly, por sua vez, sente
falta da companhia do escritor, que era o único disposto a ouvi-la,
e na confusão em que se mete devido às suas visitas ao mafioso no
presídio, ela, depois de libertada, ouve de Paul todas as verdades
de que procurou fugir por tanto tempo. É aí que há uma ruptura,
entre a bonequinha de luxo Holly, e a mulher, humana, que sempre
buscou por Amor, mas tinha receio de se entregar a tão valoroso
sentimento. E é em meio a uma tempestade que Holly finalmente aceita
o que a Vida lhe oferece, num cenário tão apropriado ao que ela
tentava ser – a tal “bonequinha de luxo” – e quem realmente
era. Ser uma bonequinha sem sentimentos, afinal, não é uma vida de
que se possa chamar de ideal: ser humana, com o sangue correndo em
suas veias, e um coração que não se importa em se arriscar é que
faz tudo valer a pena.
Em
tempo: uma das cenas mais queridas do filme, quando Audrey canta
“Moon River”, quase fica de fora da produção. A atriz, tão
conhecida pela sua simpatia, ficou extremamente brava com a Paramount
e exigiu que a cena não fosse cortada. Para Audrey, Holly cantando
melancolicamente a canção do premiado Henry Mancini revelava muito
mais da verdadeira personalidade da protagonista do que qualquer
outra cena do filme. O que, diga-se de passagem, é verdade: a cena é
linda e ao mesmo tempo triste, e verdadeiramente inesquecível, o que
torna o filme ainda mais clássico. Marilyn que me perdoe, mas Audrey
Hepburn fez jus a um dos personagens mais célebres de Truman Capote.
Não há como negar.
Aqui vai o link da cena em questão, postada no Youtube por um fã do filme. Difícil não se emocionar:
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