segunda-feira, 6 de agosto de 2012

PÁGINAS MARCADAS - Sobre o filme "O Leitor"

   
   O que se entende por "moral"? Tal resposta varia conforme a época - e é nisso que eu penso após assistir ao filme "O Leitor", baseado no livro homônimo de Bernhard Schlink, dirigido por Stephen Daldry.
O protagonista, Michael, vivido por David Kross na juventude e Ralph Fiennes na maturidade, entenderá isso de uma maneira bem forte, através de Hanna, vivida por Kate Winslet (que ganhou o Oscar de melhor atriz pela atuação).
   Quando se é jovem, acreditamos, ingenuamente, que tudo pode perdurar. Mas "o 'para sempre' sempre acaba" e Michael, aos quinze anos, aprenderá essa verdade bruscamente ao se envolver com Hanna, mulher misteriosa com o dobro de sua idade, e cujo passatempo preferido é ouvi-lo ler em voz alta. É 1958; Alemanha Oriental. O romance dos dois só durará um verão, mas marcará a vida de ambos para sempre. 



   Os dois só se reencontrarão anos depois; Michael é estudante de direito. Hanna, bem... está sendo julgada por crimes de guerra. Ela fazia parte da SS, a polícia nazista. É um choque para o rapaz, ver a primeira mulher que amou se revelar alguém que a "sociedade" condena. Entretanto, até que ponto esta "sociedade" tem o direito de condenar?
    A Alemanha, nem que tente, conseguirá largar a cruz que carrega desde a queda de Hitler. Um colega de Michael resume bem o sentimento que preenche o coração da plateia do julgamento: uma mistura de vergonha, revolta, incompreensão. Vergonha, por saber o que acontecia e não fazer nada ou pior, contribuir para tanto; revolta, contra aqueles que um dia acharam que agiam corretamente; incompreensão, por não conseguirem perdoar quem diretamente fez parte do processo. Hanna não pode ser vítima, mas será que é ré? Aos olhos da "sociedade", a justiça deve ser feita. Mas que justiça?



    "Moral". O que se entende por "moral"? Se a sociedade é guiada pela moral, o que dizer de sociedades que tiveram Napoleão, Ivan e Hitler como líderes? Se a Lei é a Lei, o que dizer das leis escritas por estes governantes? A moral, então, seria relativa. Quem a conceitua são aqueles que têm o poder. Se Hanna é vítima, é vítima de si mesma, de suas escolhas. Ela prefere levar toda a culpa do que admitir que é analfabeta. Suas ex-colegas de farda, muito mais culpadas, sequer sentem qualquer coisa que as humanize, ao contrário, mentem descaradamente para aliviar a pena.
    À certa altura do julgamento, quando o juiz pergunta o porquê de não terem salvado 300 judias de um incêndio, Hanna simplesmente diz que, por serem guardas, o objetivo maior era manter a ordem. Escolher quem seria enviada para a morte, por mais que pareça desumano, era necessário. No mundo onde há "os que mandam" e "os que obedecem"; o que resta fazer quando se faz parte do segundo grupo? Nem mesmo o juiz tem uma resposta que contrarie o óbvio. E Michael assiste a tudo, sem saber o que pensar. Hanna é a mulher que amou e talvez ainda ame. Como ser imparcial, como tomar partido? Ele nem sequer tem coragem de visitá-la na prisão, tamanho é seu conflito interno - que o acompanhará pelo resto da vida.



   Os anos passam; Hanna, que foi condenada à prisão perpétua, se surpreende quando recebe uma correspondência, a primeira em quase vinte anos: é de Michael. Uma coletânea de fitas cassetes onde ele lê em voz alta os livros que lia para ela quando adolescente. Para Hanna, parece um oásis no deserto ouvir histórias, emocionar-se com elas, mais do que isso, o desejo de saber ler e escrever toma conta de seu coração. Ouvindo Michael, ela tenta acompanhar, identificando letra por letra, palavra por palavra. Ele, sem saber, dá a ela a maior das liberdades. Contudo, a prisioneira sabe que essa é a única liberdade que poderá usufruir.
    Por sua idade, Hanna será libertada. Michael, seu único contato, é informado. Ele vai, enfim, visitá-la mas, apesar da emoção que ambos sentem - especialmente Hanna -, Michael não consegue se expressar. Dentro dele, ainda há um pouco do sofrimento da juventude. Ela sabe da ferida que nele causou, assim do dano à tantas outras pessoas. Questionada sobre o passado, ela responde apenas que "não importa o que sente ou pensa - os mortos estão mortos". Arrepender-se àquela altura da vida não trará redenção para ninguém e isso vale tanto para Hanna, quanto para a Alemanha. O que resta então, para uma mulher que, para uma sociedade, fez a escolha errada? Hanna não pode apagar o passado, e nem quer. Ela arruma-se, arrasta uma mesa e...
     Michael, obviamente, fica abalado, mas entende a decisão de Hanna: alguém com a história dela não conseguiria viver na Alemanha moderna... Por outro lado, ele não consegue evitar entristecer-se, afinal, ela foi tudo em sua vida, mulher, amante, amiga, decepção, lembrança... Conversando com uma sobrevivente do Holocausto que testemunhou contra Hanna no tribunal, Michael vislumbra a possibilidade do perdão. Diante da negativa da mulher, ele compreende que todos que viveram os horrores da Segunda Grande Guerra - e sobreviveram - têm sua própria moral, que não é a dos poderosos, mas a que acompanha quem teve tudo de seu tirado: no caso de Hanna, a humanidade; no da sobrevivente, a dignidade. A mulher recusa qualquer oferta que sua algoz deixou em testamento, porém fica com a lata de chá dela, por fazê-la lembrar de épocas mais felizes e inocentes.
     Para o protagonista, resta apenas contar sua história à filha, cuja relação sempre foi distante, para exorcizar os fantasmas do passado. Não a lembrança de Hanna, mas os sentimentos contraditórios que marcaram as páginas do livro de sua vida. Somente assim, Michael se elevará a um novo patamar. Escrever uma reviravolta e ler em voz alta um rumo mais feliz.

Um comentário:

  1. Depois de assistir o filme e ler sua resenha, fiquei muito curiosa para ler o livro. A questão moral no caso da Hanna é tão perturbadora, depois que assisti o filme fiquei pensando por dias até que ponto ela poderia ser responsável pelos crimes que cometeu. É claro que ela tinha as escolhas dela, poderia muito bem ter optado por não trabalhar naquele lugar, por não fazer o que era ordenado, mas com uma forma de pensar tão simples, tão direta e sem maldade como a dela, que só cumpre ordens sem questionar, não tem como condená-la 100%. Enfim, filme ótimo, resenha completíssima e altas expectativas para o livro !
    preciosaliteratura.blogspot.com

    ResponderExcluir