Filmes clássicos são incríveis. Parecem estar num outro patamar, tanto no visual quanto na narrativa. Este, com a maravilhosa Bette Davis num papel que deveria ser de antagonista - e se tornou a protagonista, tamanho o peso de sua atuação - é um que merece ser visto por quem ama o cinema.
Se não me engano, foi Andy Warhol
que decretou que num futuro não muito distante, todo mundo teria, no mínimo, 15
minutos de fama. Muito bem, eu estou dentro do conjunto “todo mundo”, mas
dispenso os tais quinze minutos – prefiro ser uma tranqüila desconhecida do que
uma famosa eternamente no centro da notícia. Entretanto, há aquelas pessoas que
fazem qualquer coisa para estar diante dos holofotes, nem que pra isso seja
necessário derrubar quem está no topo usando qualquer um como degrau. É isso
que Eve Harrington fará para se tornar uma estrela do meio artístico no filme
“A Malvada”, clássico vencedor do Oscar de Melhor Filme em 1950 (no título original, "All About Eve", revelando quem era a protagonista).
Bette Davis, num melhores papeis de sua carreira, o de Margo Channing, praticamente se apossa do filme que deveria ser protagonizado por Annie Baxter, a Eve do título original. |
No início, vemos uma cerimônia de premiação homenageando Eve,
que é atentamente observada por um grupo, todos olhando com certo ar de
repulsa; o filme pausa e somos levados para um ano antes, onde conhecemos Margo
Channing (interpretada pela grande atriz Bette Davis, simplesmente esplêndida
neste filme, praticamente rouba a cena), uma estrela da Brodway, e seu marido
Bill Sampson, um famoso diretor de teatro; Sr. Lloyd Richards, um bem sucedido
autor de peças, e sua esposa, Sra. Richards. Eve, interpretada por Annie
Baxter, modestamente vestida em comparação às cenas iniciais, é apresentada ao
grupo como sendo uma devotada fã de Margo, e sua história trágica comove a
todos, levando a estrela do teatro a acolhê-la em sua casa como assistente. Mal
imagina Channing que está protegendo uma cobra, e das peçonhentas. A cena em
que Eve é pega se olhando no espelho com o figurino da peça em que Margo atua
passa despercebida pela atriz, que vê apenas uma jovem deslumbrada, porém, para
um espectador atento, há alguma coisa no olhar da tal fã que desperta a
desconfiança... e não demora muito para percebermos quais as verdadeiras intenções
de Eve.
Eve (Annie Baxter) na posição que sempre ambicionou - mas insatisfeita com o próprio rumo. |
Se compararmos com os dias atuais, parece-nos que hoje é
muito mais fácil ser famoso: basta uma boa ideia, alguns tweets, uma página bem
bolada no facebook, um vídeo no youtube e voilá, temos outro adepto da máxima
de Warhol... Mas na época que o filme retrata – a indústria do cinema em seus
primeiros passos – conseguir ser famoso levava uma boa dose de sorte e outra,
bem exagerada, de esperteza, e logo me vem à mente Vivien Leigh e Groucho Marx
como exemplos, respectivamente. Sabendo disso, não é difícil acreditar que Eve
Harrington tenha realmente existido, não como mostrado no filme, mas como um
conjunto de várias pessoas, mulheres e homens, que sonhavam com a vida de
glamour que o show bussiness prometia e faziam qualquer coisa para chegar lá.
Margo Channing, ao contrário, está onde está devido ao seu esforço, mostrando
que isso é outro fator que entra na composição de “como-nasce-uma-estrela”,
lembrando Charles Chaplin e sua história de mero figurante a astro e
posteriormente dono de seu próprio estúdio, etc. etc.. Apesar de voluntariosa,
perdoamos Margo de seus exageros porque, afinal, toda a pressão está sobre seus
ombros; Eve não hesita em puxar o tapete da atriz quando encontra oportunidade
(que não são poucas). A festa de aniversário de Bill marca a derrocada de Margo
e a ascensão de Eve, principalmente quando esta última conhece Addison Dewitt,
um muito respeitado e cínico crítico de teatro.
Eve Harrington (Annie Baxter) e Margo Channing (Bette Davis) se enfrentam diante da plateia ilustre: notaram Marilyn Monroe ao fundo, à frente de George Sanders? |
Addison, num primeiro momento, parece ser apenas mais um que
Eve consegue manipular, como o casal Richards, contudo, ele se mostra muito
mais esperto que ela. Versado como ninguém no lado B do mundo artístico, em
poucos minutos o crítico de teatro ata as mãos da aspirante a estrela, de modo
que ela terá que fazer o que ele quer, sem discutir. O jogo de Eve vira contra
ela mesma, e não há para onde escapar. Quando enfim retornamos à cena onde a
jovem, já atriz consagrada, recebe a homenagem, vemos Margo Channing, sempre
elegante, dar-lhe um tapa com luva de pelica: “não se preocupe com o seu
coração. Sempre poderá por seu troféu no lugar.” Eve tanto perseguiu seu
objetivo que, quando se vê na posição que sempre quis, não se sente realizada.
É aí surge aquela velha questão de “o mundo dá voltas” sendo que para ela, isso
é levado ao pé da letra: assim como fez com Margo, também Eve sofrerá nas mãos
de alguém que tem a mesma ambição – e só Addison e o espectador ficam sabendo.
Por fim, ao vermos o sorriso malicioso da jovenzinha, na última
cena do filme, vemos o quanto tudo aquilo é um círculo vicioso, repulsivo e
maldosamente verdadeiro, que encontra reflexos na vida real, não só no Monte
Olimpo dos famosos mas também no nosso, reles mortais. Constatar isso só mostra
que a Vida não imita a Arte, ou vice-versa; ambos são, isso sim, os dois lados
de uma mesma moeda. A maldade habita todos nós.
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