segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

QUANDO A VIDA FECHA A PORTA... – Sobre o filme “Jerry Maguire, a Grande Virada”

Assistir a uma comédia daquela que você ri o tempo todo é legal. E se a comédia for daquelas que ainda por cima te faz pensar, então, é melhor ainda!





            Não faz muito tempo, li numa revista feminina um artigo sobre as exigências das mulheres quanto ao seu “príncipe encantado”.
Pelo o que eu entendi, a mulher ser exigente demais perde a chance de viver um grande amor só porque o alvo de sua atenção não é dono de uma empresa aos 30 anos, e mesmo sendo lindo de matar, adora pagode e isso é insuportável (nota: acho que a maioria delas deve ter um exemplar da trilogia Cinquenta Tons...). Mas o que isso tem a ver com o que irei comentar?

            Absolutamente nada. Apenas algo que passava pela minha mente enquanto assistia à vida perfeita de Jerry Maguire, personagem de Tom Cruise no filme de mesmo nome: homem na faixa dos 30 anos, rico, lindo, elegante, carismático, sócio de uma empresa que agencia atletas profissionais e os que ainda o serão. Noivo de uma mulher que compartilha suas ambições, ele é praticamente o genro que todas as mães pedem a Deus. Contudo, para Jerry, há algo que não se encaixa nessa perfeição. Sua vida e seu trabalho parecem orbitar exclusivamente ao redor do dinheiro, inclusive os atletas que gerencia. Um deles, jogador de hóquei, mesmo com ossos fraturados, implora ao doutor que o deixe jogar – porque senão perde o bônu$. A única pessoa preocupada com o estado do atleta é o filho deste, que pergunta a Jerry se já não chegou a hora do pai parar de jogar. Diante da negativa de Maguire, a criança vira as costas mandando o agente se ferrar (na verdade, a palavra foi bem mais feia) e é nesse momento que o personagem vive uma epifania. Seja por impulso ou entusiasmo com a própria ideia, ele envia uma cópia do que chama de “declaração de missão” (ou “planejamento de metas” na versão dublada) onde afirma que o ramo em que trabalha precisa de inovação, “de menos clientes e mais atenção”. É o que basta para ele ser demitido.

            Para alguém cujo ego não deve ser pequeno, uma puxada de tapete dessas deve ser equivalente a ser empurrado do alto do Corcovado sem paraquedas. Qualquer um enlouqueceria, viraria um eremita daqueles que carregam cartazes anunciando o fim do mundo. Imagina só, num dia você é o cara, está em todas ao mesmo tempo, e no seguinte é uma piada ambulante com começo, meio e fim. Pessoas comuns não conseguem lidar com tal situação. Não tem a força necessária para abrir uma janela quando a Vida (ou o patrão) fecha a porta. E dá espaço aos Bob Sugars (que de doce não tem nada) que só esperam uma oportunidade para passar por cima, tomar seu lugar, seus clientes, enfim, ser como você. Mas Jerry Maguire não é uma pessoa comum. Entretanto, demorará para entender que seu planejamento, pivô de sua demissão, é muito mais que isso. A única pessoa que realmente tem fé no potencial da ideia de Maguire é Dorothy, personagem de Reneé Zellwegger. Viúva, mãe, mora com a irmã e trabalhava na empresa de Jerry havia pouco tempo. Ao vê-lo praticamente dar um escândalo na agência, ela resolve segui-lo, inspirada na “declaração de missão” do agente esportivo e acreditando que a nova empresa que ele está criando naquele instante seguirá tudo aquilo que estava no papel. Porém, Maguire recusa-se a seguir em frente com o “planejamento de metas”, e continua no mesmo caminho, o de “mostrar o dinheiro”, meio que por receio de sair da zona de conforto, meio que para recuperar o orgulho. E, claro, dá tudo errado. Ele perde a noiva e o cliente mais promissor, Cush, ficando apenas com aquele a quem dava menos que o mínimo de atenção, Rod Tidwell, personagem de Cuba Gooding Jr. (que, inclusive, ganhou o Oscar de ator coadjuvante pela atuação).

            Abrindo um parêntese para comparar Cush e Rod, este último parece ficar em desvantagem. Turrão, bonachão, tudo com ele é “-ão”. Ele quer dinheiro e não esconde isso, afinal, precisa de um contrato que possa sustentar a família depois da aposentadoria. Ao contrário do jovem Cush, que vive a afirmar que só o que quer “é jogar futebol”, mas fica sob a asa do pai controlador, que diz querer só o melhor – no time que ele acha melhor, com o contrato que ele acha melhor, com patrocinadores que ele acha melhor, inclusive passando a perna em Jerry, trocando-o por um agente melhor. Mais tarde, Cush aparecerá na tevê no maior estilo milionário, achando tudo muito bom, obrigado – e ele só queria jogar futebol... Já Rod é, acima de tudo, sincero em seus objetivos. Uma cena onde assiste a um programa de entrevistas na tevê resume bem sua personalidade: ele critica o entrevistado por se envolver com drogas e abandonar a família em nome de 54 milhões de dólares. E é taxativo: sua vida estaria resolvida se obtivesse um contrato de 10 milhões do time de futebol onde joga desde a faculdade. E é isso que ele quer que Jerry consiga. Perdido, Maguire procura abrigo em Dorothy. Ela é sua boia de salvação, e o filhinho dela, Ray, um oásis de carinho desinteressado. Pronto: é o que basta. Jerry casa com Dorothy e se afeiçoa ao menino de tal forma que o trata como filho. Entretanto, o casamento, à primeira vista, foi o meio que Jerry encontrou para não se sentir desamparado na confusão que criou. Depois que se une à Dorothy, ele foge da vida conjugal como o vampiro dos raios solares. Ela, claro, percebe tudo e decide fazer o que o marido não tem coragem: deixá-lo sozinho. É um baque ainda mais profundo para Jerry e a cena que revela o quanto ele fica desnorteado com a separação é quando está no quarto de Ray, observando o garotinho dormir, e chora ao pensar em tudo que perdeu e continua a perder. Ele está, como se diz na gíria, “na vala”, mas isso não significa que não possa sair dela. É na parte final do filme que enfim, Jerry percebe que a ideia de “menos clientes, mais atenção” não é de todo uma loucura.

            Rod desmaia em campo depois que é lançado ao chão numa jogada; a esposa, Marcee, que assiste ao jogo pela tevê, se desespera, assim como Jerry, que teme perder não só seu único cliente, mas também o amigo, pois durante o tempo em que esteve gerenciando exclusivamente Tidwell, lentamente uma relação de amizade e confiança foi construída. Quando o jogador acorda e percebe o que está acontecendo (o estádio está lotado; o jogo é televisionado; a mídia quase inteira se faz presente), ele levanta e comemora, além da vitória do time, a sua própria: finalmente, ele tem a atenção que tanto desejava. Ao abraçar o cliente e amigo, Jerry também desperta a atenção dos demais jogadores, admirados com a confiança que os dois têm entre si, e acima de tudo, a dedicação do agente em zelar pela carreira de alguém que até aquele momento ninguém se dava conta.

Enfim, Rod consegue o contrato que queria e Jerry comprova sua teoria descrita em seu “planejamento de metas”. Mas essa vitória é incompleta sem a pessoa que sempre acreditou nele – Dorothy. Enfim, o agente esportivo se dá conta de que não se casou com ela para premiar sua lealdade, foi muito mais simples que isso... Ele apenas se apaixonou por Dorothy sem notar, ou numa visão mais específica, custou a perceber que sua vida pessoal e a profissional são complementares – uma não se sustenta sem a outra, e num mundo cínico como este, se um lado da balança pesa mais, uma hora ele a descarta. Se o mundo dos agentes esportivos precisava de menos clientes e mais atenção, a vida pessoal de Jerry precisava de menos ambição e mais afeição. Com Dorothy e o pequeno Ray, Jerry Maguire é uma pessoa melhor. É semelhante à história bíblica de Jó: algumas vezes, é necessário perder tudo para ganhar – ninguém disse que é fácil abrir a janela do sucesso!

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