“O glamour das luzes
da ribalta, que a velhice deve abandonar para a juventude entrar em cena.”
Sorry, mr. Chaplin, but I disagree...
Charles Chaplin (1889-1977) é um gênio, não há dúvidas. Com
peças de roupas surradas e um par de sapatos maior que os pés ele criou um
ícone do Cinema, o Vagabundo, ou para nós, Carlitos. O que alguns não imaginam
é que o personagem foi inspirado em elementos da infância e adolescência de seu
criador: do vizinho bêbado que andava engraçado ao teatro do vaudeville, mas
principalmente, do sofrimento de ser separado da família e da pobreza que o
tornava quase um indigente. Da tristeza, veio o dom de fazer rir.
Charles Chaplin como o Vagabundo, ou Carlitos, para os brasileiros. |
Entretanto,
com o advento do cinema falado, os “talkies”, o público começou a se
desinteressar pelos astros que antes encantavam sem dizer uma única palavra.
Muitos desses artistas não conseguiram manter o sucesso, morrendo pobres e
esquecidos, como Mack Sennet. Outros tiveram sorte. E o sortudo Chaplin, ainda,
resistiu aos “talkies” o quanto pôde, pois sabia que a mágica de seu personagem
vinha essencialmente da pantomina, isto é, da mímica. Contudo, o cinema falado
mostrava que viera para ficar, e mesmo sabendo que o fim do Vagabundo viria
quando este abrisse a boca e falasse, Chaplin sucumbia ao som em “O Grande
Ditador”, o último onde se vê Carlitos... Ele faria outros, claro, sem a
presença daquele que o tornara famoso, como o polêmico “Mounsier Verdoux”, e
este “Luzes da Ribalta”.
A cortina está se fechando. |
“Luzes da Ribalta”, na minha opinião, reflete os sentimentos
de Chaplin ao ter que se despedir do seu adorável Vagabundo. Ele temia que o
público o renegasse, como havia feito com outros colegas do cinema mudo, e
muito disso se vê no personagem Calvero, alter ego de Chaplin, um palhaço do
teatro de vaudeville que não consegue mais cativar o público. Chega a doer o
momento em que, dormindo, ele sonha com os áureos tempos do palco e, no fim, se
vê diante da plateia vazia. O pior é quando o vemos confrontando a realidade,
ao se apresentar sob pseudônimo, e o público dormindo ou abandonando a sala.
Ele sabe que o ciclo está se fechando, que não há mais espaço para o palhaço;
seu único consolo reside em Thereza, a jovem que ele salvou do suicídio.
Calvero e Thereza, um encontrando apoio emocional no outro. |
Com
uma doença nervosa, que a impede de andar, Thereza recebe o apoio emocional de
Calvero, que a ajuda a recuperar-se, tirando-a da melancolia em que se
encontrava. Sabendo que o velho palhaço precisa acreditar que ainda pode fazer
rir, Thereza convence o diretor do teatro, onde volta a trabalhar como
bailarina, a contratar Calvero. É claro que não dá certo, e o bondoso senhor
vai embora, depois que Thereza lhe propõe casamento. Aqui abra-se um parêntese:
nos filmes do Vagabundo, ele sempre se apaixona, mas nunca conquista a mulher
amada. Neste filme, Calvero ama Thereza, mas se resigna na posição de amigo,
pois sabe que a cortina está se fechando para ele e não quer arrastá-la para
uma vida infeliz. Quando Thereza se declara e o pede em casamento, vemos nos
olhos de Calvero que ele não acredita naquele amor, tanto que ele nada responde
– apenas põe a mão sobre a dela, como que agradecendo a gratidão da jovem.
Quando a proposta é repetida, ele vai embora, deixando uma carta. Thereza não
se dá por vencida, e depois de seis meses, o encontra. Ela convence o dono do
teatro a fazer um espetáculo com Calvero, que se realiza: um tremendo
“sucesso”. De início, percebemos que há um truque ali: a plateia está rindo,
mas não é um riso verdadeiro. Estão rindo porque mandaram rir (o chamado
“claque”). Entretanto, como se pressentindo que aquele é “o canto do cisne”, a
plateia passa a rir voluntariamente, sem precisar de “claques”: a cena em que
Chaplin divide a cena com Buster Keaton, outro ícone da comédia dos tempos do
cinema mudo, tira risadas mesmo do mais carrancudo dos mortais. É o seu último
número; e o seu último desejo é ver o triunfo de Thereza como prima ballerina –
e, logo em seguida, o velho palhaço dá seu último suspiro. É como se, através
do tecido que cobre o corpo de Calvero, Chaplin dissesse ao público: “Aí está. Carlitos
está morto. Que outro mais jovem ocupe seu lugar”.
Substituível? |
Desculpe, senhor Chaplin, mas eu discordo. Assistindo as
comédias atuais, vejo que ninguém foi capaz de preencher a vaga. Carlitos é
engraçado, rimos de sua graça. Hoje, rimos porque a piada não tem a menor graça
– rimos do ridículo da pessoa que a conta. Situações absurdas e até vulgares
preenchem os filmes, os programas de televisão humorísticos. Que graça há no
ridículo, nas piadas que só faltam os palavrões? Nenhuma! Enquanto os que se
autodenominam “humoristas” mais chocam do que fazem rir, artistas do calibre de
Chico Anysio, só para se ter uma referência nacional, são delegados ao
esquecimento, taxados de “ultrapassados”, como acontece com Calvero. O que
esses “novatos” deveriam se conscientizar é que esse humor é pasteurizado, tem
o mesmo gosto sem graça que cansa, satura, enjoa. A verdadeira graça é
autêntica. Ela está nas cordas do piano, no violino pisoteado, o menino que
joga pedras nas janelas para o pai consertá-las, na dança dos pãezinhos, da
graça do bêbado tentando provar que está sóbrio. ISSO SIM é que é engraçado. Não,
ninguém será capaz de arrancar risadas como o Vagabundo o fazia: porque para
isso, é preciso que se experimente a tristeza, a melancolia. A melancolia que
Chaplin tão bem conhecia – e dela criava suas piadas. Piadas geniais. É por
isso que Carlitos é eterno, um ícone, alguém verdadeiramente insubstituível!
Saudações
ResponderExcluirÉ possível que eu esteja errado, mas os comediantes à época do glorioso Carlito tiveram algo para nos passar. Realmente passaram...
Mas, impreterivelmente, os comediantes atuais pouco caso fizeram deste ensinamento único. Não todos, mas uma boa parte deles...
Texto digno, nobre.
Até mais!