terça-feira, 18 de março de 2014

OUTROS ESCRITOS - CRÔNICA: A noite da gata

Há coisas que não precisam de explicação. Só de instinto.

Sou do tipo que não vive sem um bichinho de estimação. O animal tem essa coisa que fascina e cativa os humanos, que é a capacidade de tornar-se um companheiro desinteressado, contanto que o dono nunca esqueça a ração. Por mais que afirmemos para nós mesmos que nunca mais teremos um pet, porque dá muito trabalho, não resistimos quando o bichinho nos olha com um olhar sedutor ou vem andando até nós fazendo festinha. Não temos escolha a não ser nos derreter de amor, e eu me incluo nessa situação. Desde 2010 tenho uma fofurice chamada Cissa, uma gata mestiça de siamês com vira-lata, uma coisa tão cute de se ver, meio branca, meio cinza, ou mesclada, como gosto de dizer, com olhos azuis muito claros e uma personalidade única. Ela lembra demais a minha mãe (que Deus a tenha): linda, cara de brava e SUPER desconfiada. Qualquer um que entre em casa e que não seja da família ou só a vê de relance, porque ela se esconde, ou fica incomodado com o olhar que ela lança. Como eu disse, personalidade única.



 

Ela estava grávida. A barriga enorme me deixava com medo dela ter um parto difícil, pois estava na cara – ou melhor, na barriga – que seriam muitos filhotes. Com uma situação financeira que ainda não está das melhores (meu pai adoeceu na mesma época e precisou de cuidados médicos), não tivemos como levar Cissa ao veterinário. Aliás, eu até acho que não seria fácil levá-la: a gata simplesmente DETESTA a caixa de transporte. Então, o tempo passou, Cissa andava pela casa como que escolhendo lugar, e uma certa noite, ela ficou agitada. Entrou no maior estilo Rainha Vitória em meu quarto, e começou a miar. Primeiramente achei que fosse fome, então fui até a cozinha, derramei ração na tigela e fui para a sala assistir a televisão. Porém, ela continuou a me seguir e a miar. De repente me deu um estalo e verifiquei sua traseira – estava úmida. A hora havia chegado! Arranjei uma caixa grande de papelão, pus jornal e ela se acomodou, não sem antes arranhar o papel inteiro, sabe-se lá por que. Permaneci diante da caixa, acariciando sua barriga e seu queixo, seu carinho preferido. Onze horas da noite me levantei para beber água e qual não foi minha surpresa ao vê-la sair da caixa e me seguir aos mios. Percebi então que teria que ficar ao lado dela durante todo processo pelo tempo que durasse. Adeus, minha cama. Adeus, noite de sono. Aquela era a noite da gata.

Lá pelas três horas da madrugada, eis que eu estava cochilando – preguei os olhos sem perceber – quando um BERRO me assustou. Sim, um berro. Aquilo de jeito algum pode ser classificado como miado. Era um berro mesmo, anunciando que o primeiro filhote estava vindo. Infelizmente, sou muito covarde para assistir a um parto, seja ele animal ou humano, e cobri parcialmente a frente da caixa com uma camiseta velha do meu pai, para dar privacidade à bichinha. Mas permaneci onde estava, de vez em quando dando uma espiada, para ver se estava tudo bem. Algum tempo depois, já estavam todos nascidos, lambidos e amamentando. Acariciei a Cissa, coçando sua cabeça, outro de seus carinhos preferidos, e disse “bom trabalho, Cissa”, ao qual ela respondeu com uma sessão de ronronado e uma lambidinha de leve nos meus dedos. Eram quase seis horas da manhã quando tomei banho e fui dormir.

Quando acordei, tive a ideia tardia de pesquisar na internet sobre parto de gata. E o que encontrei foi muito interessante: num dos sites dizia que, quando as primeiras contrações acontecem, a gata vai atrás do dono e o chama como que para avisá-lo. E apesar dela não precisar de ajuda na hora do parto, o dono deve permanecer todo o tempo ao lado da gata para lhe transmitir segurança. É por isso que Cissa foi atrás de mim no meu quarto, e não do meu pai ou da minha irmã: ela sabe que meu pai está se recuperando e que minha irmã dorme cedo devido ao trabalho, então foi atrás da única pessoa desocupada da casa – eu. E também explica porque Cissa me seguiu quando fui à cozinha beber água; ela se sentiu insegura ao ver que eu não estava perto e saiu da caixa para me encontrar. Quem diz que animal não raciocina precisa trabalhar mais os neurônios porque está claro que o instinto é uma forma de inteligência. Como saber qual dos três donos é o ideal para te acompanhar num momento tão crucial, que são os nascimentos de seus filhotes, sem raciocinar? É uma lógica que exige comparação e constatação, para se chegar a uma resposta aceitável. E quando vejo a Cissa, com aquele olhar de pidona com seus filhotinhos, fico pensando em como este mundo é perfeito e tudo tem uma razão de ser e existir. E quando eu tomo um filhote nas mãos, Cissa não reclama, nem rosna – só ronrona, porque sabe que comigo ela pode contar. É nessas horas que concordo com aquela música: este mundo é mesmo maravilhoso! 

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