“Esforce-se para
morrer ou esforce-se para viver”. Mantenha-se esperançoso, mantenha-se
sonhador.
Quando eu era estudante de Letras, uma frase de minha
professora de Filosofia surpreendeu a todos na classe, por parecer mais um
delírio do que um comentário durante a aula: “é preciso se perder, para se
encontrar”. Naquele dia, ninguém entendeu, alguns alunos até riram da frase
aparentemente absurda. Contudo, olhando para trás, vejo que nenhuma outra frase
cai tão bem para um filme como “Um Sonho de Liberdade”.
Baseado em duas obras de Stephen King (o mesmo autor de “Carrie”), o filme
conta a história de Andy Dufresne, vivido pelo incrível Tim Robbins, através da
ótica de Ellis “Red” Redding, intepretado por Morgan Freeman. Acusado, julgado
e condenado a duas prisões perpétuas por assassinar a esposa e o amante dela,
Andy não aparenta ter cometido tal crime, tamanha a calma e traquilidade de seu
comportamento e personalidade. Afirma ser inocente do homicídio que o levou a
Shawshank, presídio controlado pelo hipócrita diretor Norton e o violento
carcereiro Hadley.Este último, apesar da farda que veste, é tão bandido quanto
aqueles que habitam o lugar. Espanca sem dó nem piedade os presos que o irritam
e o contrariam, mas será através dele que Andy mudará a história do lugar.
Andy e Red, personagens centrais do filme. |
O interessante de assistir a um filme que retrata o
cotidiano de um presídio é que, invariavelmente, observamos um microcosmo da
própria sociedade que lança ali os infratores da Lei que a rege. Há aqueles que
estão há tanto tempo presos que passam a tratar a prisão como “lar”, como o
velho Brooks. E há os inconformistas, como Andy, que ousam ter esperança,
sonhos. Mas num lugar como Shawshank, só se consegue alguma vantagem se agir
com inteligência: Red, por exemplo, contrabandeia para dentro do cárcere
qualquer coisa que os presos querem, é por isso que é respeitado por eles.
Dentro do lugar, só uma Lei impera: faça o que quiser, contanto que não seja
pego. Isso fica claro durante o filme, já que tudo feito ali dentro pelos
internos é de conhecimento de todos e conta com a conivência dos carcereiros e
do diretor Norton. Todos sabem, por exemplo, que Bogs estupra alguns
prisioneiros (incluindo Andy), mas ele só é punido quando é do interesse de
quem comanda o lugar – o carcereiro Hadley o espanca até ficar paraplégico e
ele é transferido para uma prisão-hospital de segurança mínima. Entretanto,é
quando Andy cai nas graças do diretor que toda a sujeira fica mais evidente,
muito mais que mancha de óleo na superfície do oceano.
Diretor Norton: lobo em pele de cordeiro. |
O diretor Norton tem como lema duas palavras: Disciplina e
Bíblia. Porém, apesar da aparente austeridade, ele é a mais perfeita descrição
do túmulo caiado: um ser humano por fora, um ser podre por dentro. Sabendo que
Andy é um excelente contador – por seu passado de banqueiro – e ajudou Hadley
com a herança que este recebeu de um irmão, ele o usa para um esquema de
lavagem de dinheiro. Ou seja, usa um “criminoso” para praticar crime por ele.
Numa conversa com o amigo Red, o ex-banqueiro resume o que está acontecendo –
até sua prisão, ele era uma pessoa incorruptível; preso, passou a ser o que
abominava. Claro que, por um lado, isso traz benefícios à Shawshank: Andy monta
uma excelente biblioteca dentro da prisão, ajuda os internos a se formarem no
colegial, e através da cultura, oferece um vislumbre de liberdade àqueles
homens que não conheciam nada além da rotina entediante do cárcere. Muito
significativa a cena em que, ao receber a doação de livros e discos, ele
utiliza o microfone da sala do diretor para que todos ouçam uma ópera no
toca-discos: a beleza da peça é como dar uma sombra de liberdades aos internos,
que nunca ouviram nada tão belo do que a voz de uma soprano italiana. Por outro
lado, a ganância do diretor Norton cresce a cada dia, e sabendo que Andy é uma
peça rara, ele faz de tudo para mantê-lo sob seu domínio, incluindo mandar
matar Tommy, um jovem delinquente por quem Andy tomou como filho, e que tinha
provas da inocência dele. E é a partir daí que a história dá aquela virada
surpreendente que nos faz vibrar na poltrona ou no sofá.
Tommy: morte como estopim. |
Num dia qualquer, durante a chamada matinal, Andy
simplesmente some, surpreendendo a todos. Red, que temia que o amigo se
matasse, é o mais espantado, ao mesmo tempo que aliviado e intrigado. Como Andy
conseguiu escapar? A resposta está atrás do poster que enfeita a parede da
cela: um buraco grande o suficiente para uma pessoa, cavado durante vinte anos.
E é Red que nos conta como tudo se sucedeu, de como a inteligência de Andy
superou a esperteza do diretor que, com a imagem maculada, prefere morrer do
que se igualar aos presos de Shawshank. E a cena emblemática de Andy livre, de
braços abertos debaixo de uma tempestade revela que ter esperança é algo bom
sim, mesmo quando privados de algo tão precioso quanto a liberdade. Culpados ou
inocentes, somos responsáveis por nossos atos, é verdade, mas isso não deve
tirar o nosso direito de sonhar com o futuro. Red que o diga.
Red prestes a receber a condicional: "não me importo mais". |
Há uma diferença entre Red e velho Brooks aqui: ambos
recebem a condicional e voltam à sociedade, mas Brooks, como já dito alguns
parágrafos atrás, via Shawshank como o seu lar, e uma vez fora dele, perde sua
identidade, e vivendo com medo, prefere o suicídio. Red também recebe a
condicional, depois de duas tentativas frustradas em quarenta anos de pena – o
discurso dele diante dos avaliadores é comovente: ele nem se importa mais se
vai ser aprovado ou não, o importante é que se pudesse voltar atrás e
aconselhar o jovem que um dia foi, nunca teria perdido toda a sua vida no
presídio. Condicional liberada, ele sente o mesmo medo que Brooks sentiu, mas
só não se mata porque Andy deu a Red o seu sonho: viver livre numa cidadezinha
mexicana à margem do Pacífico...
Brooks: fora da prisão que considera um lar, ele se suicida. |
“Dizem que o Pacífico nos faz esquecer”, disse
Andy à Red. E é para lá que Red vai. Sem medo, com o vento no rosto, ele
reencontra o amigo na praia para, ao lado dele, viver o sonho da Liberdade. Se
é preciso se perder para se encontrar, para Red e Andy isso foi realidade, não
questão filosófica... E assim, com os dois livres e prestes a relizar seus
sonhos, termina um filme maravilhoso, que invariavelmente nos leva às lágrimas,
porque nos faz lembrar o quanto somos abençoados por nunca ter perdido a
esperança, e nem o poder de sonhar. Um clássico que merece estar na coleção de
todos os cinéfilos de plantão, para nos lembrar disso sempre. E para sempre.
Andy na cena mais lembrada do filme: livre da sujeira de Shawshank, ele se purifica na chuva que representa sua liberdade. Clássico! |
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