quarta-feira, 1 de abril de 2015

OUTROS ESCRITOS - OPINIÃO: Sobre polêmicas e boicotes. Precisa disso?

Ou como o extremismo que tanto está em voga só rende argumentos pouco convincentes seja na Literatura, no Cinema ou na Televisão

                    


Nos últimos meses ando percebendo que as pessoas estão agindo de forma muito radical, tanto no tête-a-tête do dia a dia quanto nas redes sociais. Qualquer que seja o assunto, sempre há alguém que não se contenta com o meio termo, expondo suas opiniões de forma extremada, sem medir palavras, e pior, de caso pensado. Não há mais freio na forma como se expressam – prova disso foi o ocorrido de semanas atrás, as pessoas que bateram panela em suas janelas em protesto contra o governo, xingando a presidente com palavras chulas, a maioria de cunho sexual. Detalhe: provavelmente havia crianças acordadas, testemunhando esse tremendo mau exemplo. Mas não é este o tema que vou tratar neste texto. É um aproximado.

Há menos de um mês, a TV Globo estreou uma nova novela das 21 horas, “Babilônia”. Quase que imediatamente, várias pessoas passaram a promover nas redes sociais uma campanha de boicote contra a produção televisiva, dizendo que a história ofende “a moral e os bons costumes” da “família brasileira”, e que o nome da novela faz referência ao reino citado na Bíblia, governado pelo famigerado Nabucodonosor. Bom, sempre que alguém levanta a bandeira da “moral e dos bons costumes”, sei que só lerei e ouvirei comentários extremistas, polarizados. É um tal de “não assisto mais novela, porque isso é pra mente pequena”, “novela influencia as pessoas a se afastarem de Deus”, e etc., que só mesmo pessoas (provavelmente) manipuláveis levam a sério. Não estou fazendo pouco da opinião alheia; sou a favor de que a pessoa construa a sua própria, mas com conhecimento de causa, para que possa encontrar um meio termo. Meio termo, aliás, que não significa “ficar em cima do muro” como alguns acreditam – é ver o tema sob o ponto de vista imparcial, equilibrado. Se eu tenho críticas, e as tenho, devo conectá-las ao contexto, para que essas críticas não reflitam pré-conceito(s) que possa ter, porque pré-conceito, amigos, nada mais é que criticar sem saber direito o que se está criticando. Assisto a novela em questão, e não vejo NADA daquilo que tanto dizem que a mesma tem. É até uma novela comum: tem a mocinha chata de galocha, as vilãs que fazem qualquer coisa para se darem bem (como em qualquer novela recente), o político que defende a “moral e os bons costumes” mas é um pilantra de marca maior, e por aí vai. O próprio nome da novela faz referência a uma favela carioca que realmente existe e é até ponto turístico! Então, cadê o motivo? "Babilônia", caso queiram saber, chega a ser um tanto monótona em certos momentos. Apesar do tema instigante, sobre a ambição para o bem e para o mal, o texto se aproxima de "Celebridade", outra produção de Gilberto Braga na mesma emissora, onde quem chamava a atenção era a vilã. E o que tem demais nisso? Oscar Wilde compôs o protagonista de "O Retrato de Dorian Gray" para ser um homem sem moral, sem escrúpulos, mas sedutor de tal forma, que o leitor acabava torcendo por ele!  E o que isso tem de ruim? Por que o extremismo? Só consigo pensar que quem critica a novela, é porque possivelmente sequer a assistiu para construir um argumento convincente. Se bem que polêmicas assim são muito comuns, acontecem com muita frequência em qualquer campo, incluindo na literatura e no cinema.

Um exemplo é Gustave Flaubert, que publicou “Madame Bovary” em 1856. O romance tem como peça central o oficial de saúde Charles Bovary e sua esposa Emma, uma mulher bastante tola que, para fugir de sua vida monótona – e do marido sem sal, na opinião dela, é claro – comete adultério. Hoje em dia, é de comum acordo entre os críticos literários que a obra é a mais célebre de Flaubert, mas caso isso fosse dito na época de sua publicação, com certeza tal pessoa seria acusada de imoral. Isso, porque foi exatamente o que aconteceu a Flaubert: o autor foi acusado de escrever um romance obsceno, que ofendia “à moral pública e à moral religiosa” (isso te lembra algo, leitor?) da sociedade de então. Alfred Pinard, o advogado de acusação, afirmava que a obra não apresentava “nenhuma gaze, nenhum véu, é a natureza em toda a sua nudez, em toda a sua crueza!” (de novo, isso te lembra algo, leitor?), e a repercussão do caso jogou Flaubert num escândalo nacional, e o autor, em sua defesa, chegou a dizer que a personagem Emma Bovary não era ninguém mais a não ser ele mesmo (“Madame Bovary c’est moi”, escreveu o autor), e que o romance era nada mais que um alerta para os desvios de uma mulher que se deixa levar por seus delírios românticos (ou, se for contextualizar para os dias atuais, uma pessoa que se deixa influenciar por enredos fictícios, escritos, filmados e televisionados, simplesmente porque acha a própria vida um marasmo). O autor foi inocentado, mas a cama já estava feita. "Madame Bovary" entrou para a história da Literatura como o romance que foi para o banco dos réus. Outro escritor que enfrentou problemas depois da publicação de um romance foi Vladimir Nabokov, autor de “Lolita” – obra que até hoje é acusada de apologia à pedofilia. José Saramago foi excomungado pela Igreja Católica ao publicar “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, e Dan Brown foi alvo de boicotes contra o seu “O Código DaVinci”. No cinema, os alvos prediletos dos moralistas de plantão eram Stanley Kubrick, diretor, dentre outros, de “Laranja Mecânica” e "De Olhos Bem Fechados", e Pier Paolo Pasolini, de “Salò ou 120 dias de Sodoma”. Todos eles sofreram com críticas parciais, extremistas, de uma polarização absurda do tipo “ame-o ou deixe-o”, exatamente como acontece atualmente com Gilberto Braga e sua telenovela “Babilônia”. No entanto, a diferença entre essas produções e a emissora global, é que as primeiras continham elementos realmente polêmicos, enquanto que a última está sendo apedrejada como a Geni da música de Chico Buarque. É mesmo necessário as pessoas se dedicarem tanto a uma causa tão sem sentido, quando há outras muito mais coerentes e urgentes?

Sim, eu me pergunto se o alvo não está trocado; afinal, se os promovedores de boicote se ocupassem, por exemplo, a apoiar a greve dos professores da rede pública de ensino de várias partes do país, em prol de uma Educação Pública de qualidade, com a estrutura necessária para um bom aprendizado, e o repasse das verbas que lhes são devidas, ao invés de espalharem suas opiniões sem argumento crível contra Gilberto Braga, talvez os objetivos dos educadores já teriam sido alcançados. Tamanha paixão contra uma telenovela de história tão comum deveria ser redirecionada a uma causa que valesse mais a pena. Mas, como sempre, as pessoas gostam mesmo é de pão e circo...

... E isso é de uma mediocridade que espanta, principalmente quando é oriunda de pessoas que aparentemente deveriam ser mais esclarecidas. No fim, isso tudo mais parece polêmica de botequim transportada para outros meios, sabe Deus com qual verdadeira finalidade.  Em outras palavras, a moda agora são as opiniões pilhas: polarizadas ao limite. Equilíbrio e imparcialidade mandaram lembranças.

A pilha alcalina traz mais vantagens que as ácidas
Opiniões tipo pilha: sempre extremos,
 nunca equilibrados

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