Por
isso não é isento de interpretação.
Há
pouco tempo, está no ar na Rede Globo uma telenovela de temática
regional, de autoria de Benedito Ruy Barbosa, o mesmo da maravilhosa
“Meu Pedacinho de Chão”, de 2014: “Velho Chico”. Seria mais
uma entre tantas do autor se não fosse a direção (sem trocadilho)
tomada pelo realizador Luiz Fernando Carvalho – que aliás, também
dirigiu a produção de dois anos atrás.
A primeira fase da novela tomava como cenário a década de 1970, no auge do movimento tropicalista. À primeira vista, quase todos rasgaram seda para a telenovela e tudo que a torna primorosa. Foi só mudar de fase, para começar o estranhamento. Uma enxurrada de críticas, com gente confusa sobre a época que se passa a novela, sobre a atuação dos atores e tudo o mais. Nem parece o mesmo povo que criticava a Rede Globo por exibir em seu horário das nove horas da noite telenovelas ambientadas no eixo Rio-São Paulo – a última fora desse ambiente foi “Porto dos Milagres”, em 2001. E isso, na minha opinião, mostra que o problema não é o ano ou o lugar em que a história se passa: é a mentalidade de algumas pessoas que, inconscientemente, não abandonam os grandes centros.
A primeira fase da novela tomava como cenário a década de 1970, no auge do movimento tropicalista. À primeira vista, quase todos rasgaram seda para a telenovela e tudo que a torna primorosa. Foi só mudar de fase, para começar o estranhamento. Uma enxurrada de críticas, com gente confusa sobre a época que se passa a novela, sobre a atuação dos atores e tudo o mais. Nem parece o mesmo povo que criticava a Rede Globo por exibir em seu horário das nove horas da noite telenovelas ambientadas no eixo Rio-São Paulo – a última fora desse ambiente foi “Porto dos Milagres”, em 2001. E isso, na minha opinião, mostra que o problema não é o ano ou o lugar em que a história se passa: é a mentalidade de algumas pessoas que, inconscientemente, não abandonam os grandes centros.
Vou
tomar como ponto de partida uma cena protagonizada por Zezita Matos,
intérprete de Piedade, na última semana. Cansada da rixa entre sua
família e a do poderoso Coronel Saruê (papel de Antônio Fagundes),
ela foi até a mansão dos de Sá Ribeiro “armada” apenas de uma
colher de pau. Muitos não entenderam, e lá se foi a chuva de
críticas e chacotas sobre a cena através do Twitter. Fiquei
abismada! Nascida e criada no interior do Pará, Região do Tapajós,
já vi muita gente enfrentar poderosos usando apenas cordas, as
vocais. Um exemplo que me chegou à memória durante a cena foi a
Irmã Dorothy Stang, conhecida na Região do Xingu por seu ativismo
em defesa do meio ambiente e trabalho junto aos pequenos
agricultores. Assassinada em 2005, no momento de sua morte estava
“armada” apenas com uma Bíblia. Assim como a missionária,
muitos enfrentaram Coronéis Saruês sem pegar em armas, munidos
somente de sua coragem e determinação. Reconheço ainda na novela
vários elementos e situações que ocorrem no Norte–Nordeste,
principalmente no que tange ao enredo político: as falas do Coronel
Saruê sobre o futuro de Grotas de São Francisco é praticamente a
mesma de muitos de sua laia sobre o futuro da Região do Tapajós,
por exemplo, atual centro de uma polêmica sobre um projeto de
hidrelétrica que se pretende ser a maior do país e que boa parte da
população brasileira desconhece (como ocorre atualmente com o Rio
São Francisco). Corrijam-me se estiver errada, mas não seria de
certo modo correto afirmar que, enquanto alguns telespectadores dos
grandes centros acham ridículo uma senhorinha humilde ir de colher
de pau na mão enfrentar o poderoso chefão (que pode mandar matar
toda a sua família a qualquer momento), a população de certas
regiões do Norte–Nordeste se sintam representadas, justamente
porque não há outro meio de defender-se da ambição dos Saruês da
vida real a não ser de peito aberto?
Por
mais que se trate de um programa de televisão, telenovela não deixa
de ser um texto, e por sê-lo, carece de interpretação por parte de
quem está diante da tela. Não é preciso desligar o cérebro para
assistir tal produção. É ficção, e como tal, se alicerça na
verossimilhança, semelhante a verdade. O discurso de Miguel no
capítulo de ontem, 29 de abril, foi bem realista ao apontar sobre
quem são os maiores atingidos por tais “projetos de
desenvolvimento” que visam “reunir meia dúzia de pessoas num
quarto com ar condicionado no litoral”. É tão difícil assim
assimilar o ponto principal de tal texto? Na minha visão, a trama de
Benedito Ruy Barbosa levanta questões que necessitam ser debatidas
no atual momento do país. É a oportunidade perfeita, e a audiência
deixa escorrer pelas mãos porque prefere falar da atuação de
Antonio Fagundes e o figurino dos personagens, com a desculpa de que
“é apenas uma novela”. Esquece que o país é enorme, e há
sim, lugares como Grotas de São Francisco, parado no tempo,
governado por um Saruê que ainda acha que vive numa Capitania
Hereditária. Há quem diga que a trama não retrata a realidade
brasileira… E querem saber? A afirmativa talvez tenha procedência
– afinal, o Norte e o Nordeste só existem para o Brasil quando é
conveniente. De outra forma, somos quase sempre vistos como um outro
país, quando não um outro mundo.
E
isso só aumenta a sensação de que nunca deixamos de estar ao
deus-dará. Triste.
São 500 anos dominando o povo, quem manda não quer perder o poder, quem é submisso não quer abrir os olhos. Ou não têm capacidade para ver. Aí apelam para a chacota, enquanto são espóliados.
ResponderExcluirE apelam para a chacota de uma forma que o ridículo no fim são eles, não concorda? E posso te dizer com certeza, enxergar eles enxergam. Mas na visão deles é melhor fazer vitrine do que agir. Prova disso são tantas críticas à produção de Velho Chico, mas quase nenhum comentário sobre o que ela retrata. No fim das contas, tudo se resume a realidade DELES, não a nossa.
ExcluirSempre digo: Novela, embora com realidade expandida, é o retrato da sociedade. Os problemas são discutidos de forma lúdica, é abrir os olhos e crescer.
ExcluirTexto digno de ser trabalhado em sala de aula. Parabéns pela análise
ResponderExcluirObrigada!
Excluir