Um casal não deveria ser o alicerce de uma história. E poucas são as produções que não fazem isso.
Se há uma coisa
que me irrita bastante ultimamente é a falta de romance nos romances dos dias
de hoje. Seja qual for o livro ou qualquer produto ficcional lançado
recentemente, o casal protagonista não passa do quinto capítulo sem ir para os
finalmente. Claro que há exceções (e quase todas estão na minha estante), mas
percebo uma onda perigosa se formando no cenário do entretenimento mundial. Isso se
chama “ship”.
Não sei quando o
termo “ship” se popularizou para denominar “casal”. Quando vi, o termo já era
usado em todas as comunidades, da literatura ao anime japonês. Geralmente o
“ship” é uma junção dos nomes do pretenso casal: “Kyoru” (Kyo e Tohru, do mangá
“Fruits Basket”), “Bellacob” (Bella e Jacob, de “Crepúsculo”) e por aí vai. E
nos fóruns e páginas de redes sociais, é até motivo de briga entre gente que
mal se conhece, porque um grupo não aceita o “ship” do outro. E haja
comportamento antidemocrático. Nessas discussões eu percebo que as pessoas
pouco se importam com a história do produto ficcional que consomem; o centro de
tudo é o “ship” a quem defendem, e é aí que mora o perigo. Se a história tiver
um tema considerável (tipo conto de fadas, fantasia, ou drama social), isso
nada vale diante de um “ship” que despertou o interesse daquele público. Se
mostrar um cachorro plantando bananeira na rede elétrica poucos serão os que
notarão. Pior ainda se o tal “ship” for um triângulo amoroso, como aconteceu
com “Crepúsculo”. O que testemunhei de rinha nos fóruns não foi brincadeira,
deu espaço até para cyberbullying. E ninguém notava a decadência da história,
que começou boa, e terminou mais ou menos.
O centro do
problema, do meu ponto de vista, é que alguns autores hoje em dia estão
deixando o tema da história de lado para focar no ship. Sabe-se lá o motivo,
talvez seja o lado comercial da coisa. Pouquíssimas são as histórias que
encantam apesar de um “ship” forte – como é o caso da telenovela das 18 horas
da Rede Globo, “Meu Pedacinho de Chão”. Outras começam a perder o sentido,
deixando o leitor/telespectador mais atento esperando a ação acontecer,
causando a frustração dos mesmos, caso de algumas séries americanas, e de
alguns livros publicados recentemente. Um exemplo – e eu sei que vai causar
polêmica – é “The Vampires Diaries”, que já algumas temporadas vem arrastando a
história com o triângulo amoroso formado pelos protagonistas da história. Já
não tem mais similaridade com a série de livros na qual se baseia, tudo agora é
centrado em Damon-Elena-Stefan. Isso cansa quem está querendo história. E por
falar em livros, pegarei novamente no pé de “Cinquenta Tons de Cinza”. Centrado
apenas no casal, qual era a história mesmo? E “A Hospedeira”, da mesma autora
de “Crepúsculo”, tinha um tema bom, meio sci-fi, e de novo Meyer se perdeu em
seus “ships”.
Já a telenovela
“Meu Pedacinho de Chão” chama a atenção principalmente pelo seu visual, que
mais parece um parque de diversões. Sua história discretamente discute assuntos
importantes, como saúde, educação, a carteira de trabalho, o título de eleitor
e o voto de cabresto. O maior destaque vai para os “ships” – sim, tem mais de
um: “Ginando”, formado pelos personagens Gina e Ferdinando, e “Zeliana”, dos
personagens Zelão e Juliana. Contudo, apesar do fandom, a história central da
telenovela não fugiu de seu tema, o que é excelente. Pesquisando no Twitter,
percebo que o que as pessoas encontram nos casais da produção global é aquilo
que está ficando raro no cenário do entretenimento: romance. Nos casais de “Meu
Pedacinho...” tudo é puro flerte, pura corte, paquera. Ninguém ali está
procurando ser um “pegador”. Ferdinando e Zelão procuram conquistar as mulheres
por quem se apaixonaram, que não por acaso, fogem dos padrões: Gina é geniosa,
adora trabalhar na roça, se veste diferente, não conhece o Amor e, apesar de
claramente gostar de Ferdinando, não dá o braço a torcer porque isso
significaria se distanciar da família, a quem é muito apegada; Juliana, a
professorinha por quem Zelão é apaixonado, é simples, encantadora, e apesar de
já ter namorado o médico da vila onde se passa a história, a cada capítulo
mostra que seu verdadeiro interesse é o seu maior admirador, mas não admite
devido a algum escrúpulo em seu íntimo. E haja indiretas muito diretas,
provocações, flerte, corte, paquera. A audiência pira. E é a única produção
televisiva nacional que vale a pena assistir atualmente.
No cenário
literário, não tem para ninguém: o nome da vez é John Green. Dei graças a Deus
por ter lido um livro como “O Teorema Katherine”. Um cara que só namora
mulheres de nome Katherine, só podia ser uma história interessante. E a linha
da história se mantém até o fim, não se desvia em nenhum momento. A
popularidade merecida do autor, que entre seus livros publicados está o
aclamado “A Culpa é das Estrelas”, não pertubou em nada seu estilo. Esse sim
sabe escrever uma história. E é por isso que seu nome permanece nos stands, pois ele dá importância para o
desenrolar do tema que se dispõe a contar. Diferente das já citadas, se me
permitem dizer.
Gostaria de concluir este texto com um pedido: por favor,
POR FAVOR, deixem os “ships” de lado, prestem atenção à história. Só assim
perceberão qual produção ficcional vale a pena acompanhar. Um casal deve ter
uma função no enredo e não ser o próprio
enredo. Se isso acontece, alguma coisa não está se encaixando. Romance para
ser romance precisa de história, de um tema que o sustente, senão, deixa de ser
romance para se tornar um produto. E produtos não duram muito na memória do consumidor.
Saudações
ResponderExcluirAcho que não existe a necessidade de se ir tão contra-mão a uma tendência como a dos [ships], Eveline. Claro, tu compartilhaste a sua opinião no texto mas, sinceramente, não vejo tantos problemas assim em demasiado.
Por saber de como está o momento literário no campo do romance ou dos sentimentos mais íntimos eu tenho procurado, instintivamente, por publicações mais antigas para dar o valor merecido à tal gênero.
Não sou alguém que defenda a arte do [ship] em si, devo frisar isto muito bem. Mas desejo enfatizar que não consigo ver um malefício em demasia no uso e propagação da temática proposta (a dos [ships]). Claro que é algo que eu não desenvolveria em um plot próprio, mas consigo enxergar algo um pouco mais positivo neste trâmite.
Deixemos, por agora, o tempo elucidar as dúvidas que possamos ter sobre este trabalho em prosseguimento.
Até mais!
Realmente, nos romance mais antigos, a coisa não é tão enraizada, isso porque o romance em questão faz parte de um enredo maior. "Norte & Sul" por exemplo, o casal protagonista é quase uma ilustração do que era a luta entre patrões e empregados na Revolução Industrial. Mas o livro é do século XIX. Atualmente, poucos são os romances onde o casal faz parte do enredo - o que eu vejo são casais SENDO o enredo, e muitas vezes isso atrapalha a ação e, consequentemente, a história. Os que citei no texto são aqueles onde senti isso, me obrigando a largar a leitura e passar o livro adiante, para as mãos de quem curte o estilo.
ResponderExcluirMas você tem razão numa coisa: dar tempo ao tempo. Pois com certeza, essa modinha vai passar. Assim espero!
Concordo em gênero,número e grau! Pensei que só eu tinha essa visão!
ResponderExcluirSandra Monte divulgou seu texto e vim lê-lo só por curiosidade. Eu, uma pessoa que até um tempo atrás desconhecia o significado de "shippar", claramente utilizado por... todos os fandom gostei do que você disse no texto. Já reclamei uma vez que Meu Pedacinho de Chão reproduz, de uma forma um tanto fantasiosa assuntos atuais, como educação e "compra de votos" numa eleição. rsrsrrs
ResponderExcluirAcredite. Talvez os ships não venham a ser deixados de lado. Afinal, eles são a "graça" do momento. São eles que fazem esta ou aquela obra virar modinha entre os jovens...
Texto reflexivo o seu. ^^
Até mais
Aí é que está. É a graça do momento, um casal ser o enredo de uma ficção. Mas não há como se sustente sem uma ambientalização. Romance entre personagens só convence quando faz parte de uma história maior, de um tema onde ou ele sofre a ação ou move a ação. Mas sendo o ship a mola propulsora, a ação se arrasta, e muitas vezes, se perde.
ExcluirAgora, quanto à "Meu Pedacinho de Chão" ser fantasiosa com assuntos atuais, ultimamente, pra se tocar em assuntos espinhosos, como as eleições, voto de cabresto e retenção de títulos, não há outra forma de ser mais direto do que através da fantasia, para evitar a censura que, infelizmente, está agindo veladamente através do tal "conteúdo impróprio para a faixa etária definida". Fantasia tem uma função que para muitos é perigosa, que é de alertar através da história contada -- coisa aliás, já vista em muitas produções, contos de fada, principalmente.
Obrigada pelo comentário!