sexta-feira, 20 de junho de 2014

OUTROS ESCRITOS - OPINIÃO: Se você quer romance...

Um casal não deveria ser o alicerce de uma história. E poucas são as produções que não fazem isso.

                                   



Se há uma coisa que me irrita bastante ultimamente é a falta de romance nos romances dos dias de hoje. Seja qual for o livro ou qualquer produto ficcional lançado recentemente, o casal protagonista não passa do quinto capítulo sem ir para os finalmente. Claro que há exceções (e quase todas estão na minha estante), mas percebo uma onda perigosa se formando no cenário do entretenimento mundial. Isso se chama “ship”.

Não sei quando o termo “ship” se popularizou para denominar “casal”. Quando vi, o termo já era usado em todas as comunidades, da literatura ao anime japonês. Geralmente o “ship” é uma junção dos nomes do pretenso casal: “Kyoru” (Kyo e Tohru, do mangá “Fruits Basket”), “Bellacob” (Bella e Jacob, de “Crepúsculo”) e por aí vai. E nos fóruns e páginas de redes sociais, é até motivo de briga entre gente que mal se conhece, porque um grupo não aceita o “ship” do outro. E haja comportamento antidemocrático. Nessas discussões eu percebo que as pessoas pouco se importam com a história do produto ficcional que consomem; o centro de tudo é o “ship” a quem defendem, e é aí que mora o perigo. Se a história tiver um tema considerável (tipo conto de fadas, fantasia, ou drama social), isso nada vale diante de um “ship” que despertou o interesse daquele público. Se mostrar um cachorro plantando bananeira na rede elétrica poucos serão os que notarão. Pior ainda se o tal “ship” for um triângulo amoroso, como aconteceu com “Crepúsculo”. O que testemunhei de rinha nos fóruns não foi brincadeira, deu espaço até para cyberbullying. E ninguém notava a decadência da história, que começou boa, e terminou mais ou menos.

O centro do problema, do meu ponto de vista, é que alguns autores hoje em dia estão deixando o tema da história de lado para focar no ship. Sabe-se lá o motivo, talvez seja o lado comercial da coisa. Pouquíssimas são as histórias que encantam apesar de um “ship” forte – como é o caso da telenovela das 18 horas da Rede Globo, “Meu Pedacinho de Chão”. Outras começam a perder o sentido, deixando o leitor/telespectador mais atento esperando a ação acontecer, causando a frustração dos mesmos, caso de algumas séries americanas, e de alguns livros publicados recentemente. Um exemplo – e eu sei que vai causar polêmica – é “The Vampires Diaries”, que já algumas temporadas vem arrastando a história com o triângulo amoroso formado pelos protagonistas da história. Já não tem mais similaridade com a série de livros na qual se baseia, tudo agora é centrado em Damon-Elena-Stefan. Isso cansa quem está querendo história. E por falar em livros, pegarei novamente no pé de “Cinquenta Tons de Cinza”. Centrado apenas no casal, qual era a história mesmo? E “A Hospedeira”, da mesma autora de “Crepúsculo”, tinha um tema bom, meio sci-fi, e de novo Meyer se perdeu em seus “ships”.

Já a telenovela “Meu Pedacinho de Chão” chama a atenção principalmente pelo seu visual, que mais parece um parque de diversões. Sua história discretamente discute assuntos importantes, como saúde, educação, a carteira de trabalho, o título de eleitor e o voto de cabresto. O maior destaque vai para os “ships” – sim, tem mais de um: “Ginando”, formado pelos personagens Gina e Ferdinando, e “Zeliana”, dos personagens Zelão e Juliana. Contudo, apesar do fandom, a história central da telenovela não fugiu de seu tema, o que é excelente. Pesquisando no Twitter, percebo que o que as pessoas encontram nos casais da produção global é aquilo que está ficando raro no cenário do entretenimento: romance. Nos casais de “Meu Pedacinho...” tudo é puro flerte, pura corte, paquera. Ninguém ali está procurando ser um “pegador”. Ferdinando e Zelão procuram conquistar as mulheres por quem se apaixonaram, que não por acaso, fogem dos padrões: Gina é geniosa, adora trabalhar na roça, se veste diferente, não conhece o Amor e, apesar de claramente gostar de Ferdinando, não dá o braço a torcer porque isso significaria se distanciar da família, a quem é muito apegada; Juliana, a professorinha por quem Zelão é apaixonado, é simples, encantadora, e apesar de já ter namorado o médico da vila onde se passa a história, a cada capítulo mostra que seu verdadeiro interesse é o seu maior admirador, mas não admite devido a algum escrúpulo em seu íntimo. E haja indiretas muito diretas, provocações, flerte, corte, paquera. A audiência pira. E é a única produção televisiva nacional que vale a pena assistir atualmente.

No cenário literário, não tem para ninguém: o nome da vez é John Green. Dei graças a Deus por ter lido um livro como “O Teorema Katherine”. Um cara que só namora mulheres de nome Katherine, só podia ser uma história interessante. E a linha da história se mantém até o fim, não se desvia em nenhum momento. A popularidade merecida do autor, que entre seus livros publicados está o aclamado “A Culpa é das Estrelas”, não pertubou em nada seu estilo. Esse sim sabe escrever uma história. E é por isso que seu nome permanece nos stands, pois ele dá importância para o desenrolar do tema que se dispõe a contar. Diferente das já citadas, se me permitem dizer.

Gostaria de concluir este texto com um pedido: por favor, POR FAVOR, deixem os “ships” de lado, prestem atenção à história. Só assim perceberão qual produção ficcional vale a pena acompanhar. Um casal deve ter uma função no enredo e não ser o próprio enredo. Se isso acontece, alguma coisa não está se encaixando. Romance para ser romance precisa de história, de um tema que o sustente, senão, deixa de ser romance para se tornar um produto. E produtos não duram muito na memória do consumidor.


5 comentários:

  1. Saudações


    Acho que não existe a necessidade de se ir tão contra-mão a uma tendência como a dos [ships], Eveline. Claro, tu compartilhaste a sua opinião no texto mas, sinceramente, não vejo tantos problemas assim em demasiado.

    Por saber de como está o momento literário no campo do romance ou dos sentimentos mais íntimos eu tenho procurado, instintivamente, por publicações mais antigas para dar o valor merecido à tal gênero.

    Não sou alguém que defenda a arte do [ship] em si, devo frisar isto muito bem. Mas desejo enfatizar que não consigo ver um malefício em demasia no uso e propagação da temática proposta (a dos [ships]). Claro que é algo que eu não desenvolveria em um plot próprio, mas consigo enxergar algo um pouco mais positivo neste trâmite.

    Deixemos, por agora, o tempo elucidar as dúvidas que possamos ter sobre este trabalho em prosseguimento.


    Até mais!

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  2. Realmente, nos romance mais antigos, a coisa não é tão enraizada, isso porque o romance em questão faz parte de um enredo maior. "Norte & Sul" por exemplo, o casal protagonista é quase uma ilustração do que era a luta entre patrões e empregados na Revolução Industrial. Mas o livro é do século XIX. Atualmente, poucos são os romances onde o casal faz parte do enredo - o que eu vejo são casais SENDO o enredo, e muitas vezes isso atrapalha a ação e, consequentemente, a história. Os que citei no texto são aqueles onde senti isso, me obrigando a largar a leitura e passar o livro adiante, para as mãos de quem curte o estilo.

    Mas você tem razão numa coisa: dar tempo ao tempo. Pois com certeza, essa modinha vai passar. Assim espero!

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  3. Concordo em gênero,número e grau! Pensei que só eu tinha essa visão!

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  4. Sandra Monte divulgou seu texto e vim lê-lo só por curiosidade. Eu, uma pessoa que até um tempo atrás desconhecia o significado de "shippar", claramente utilizado por... todos os fandom gostei do que você disse no texto. Já reclamei uma vez que Meu Pedacinho de Chão reproduz, de uma forma um tanto fantasiosa assuntos atuais, como educação e "compra de votos" numa eleição. rsrsrrs

    Acredite. Talvez os ships não venham a ser deixados de lado. Afinal, eles são a "graça" do momento. São eles que fazem esta ou aquela obra virar modinha entre os jovens...

    Texto reflexivo o seu. ^^

    Até mais

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    1. Aí é que está. É a graça do momento, um casal ser o enredo de uma ficção. Mas não há como se sustente sem uma ambientalização. Romance entre personagens só convence quando faz parte de uma história maior, de um tema onde ou ele sofre a ação ou move a ação. Mas sendo o ship a mola propulsora, a ação se arrasta, e muitas vezes, se perde.

      Agora, quanto à "Meu Pedacinho de Chão" ser fantasiosa com assuntos atuais, ultimamente, pra se tocar em assuntos espinhosos, como as eleições, voto de cabresto e retenção de títulos, não há outra forma de ser mais direto do que através da fantasia, para evitar a censura que, infelizmente, está agindo veladamente através do tal "conteúdo impróprio para a faixa etária definida". Fantasia tem uma função que para muitos é perigosa, que é de alertar através da história contada -- coisa aliás, já vista em muitas produções, contos de fada, principalmente.

      Obrigada pelo comentário!

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