segunda-feira, 30 de junho de 2014

OUTROS ESCRITOS - CRÔNICA: Quem é a gatinha da mamãe?

Quando foi que deixamos de conversar uns com outros?







Olho para a minha gata; ela olha para mim, pisca e mia baixinho, como que reclamando de que ainda não lhe dei a janta. Converso com ela, como se a mesma me entendesse, por um bom tempo... Até me dar conta de que há alguém, ser humano, na porta de minha casa, com a testa franzida e com o olhar de “coitadinha, ta ficando doida...”.
           
Não vou aqui discorrer sobre os motivos que me fizeram conversar com a gata como se a própria fosse capaz de responder com palavras. Vou falar da necessidade da pessoa de ter alguém com quem conversar. Se o ser humano estivesse destinado à solidão, Deus não teria criado a mulher para fazer companhia ao homem. Entretanto, por motivos que até agora não entendo, a humanidade deu para conversar com os animais. Talvez seja porque está ocupada demais com os próprios problemas – é o trabalho, a insegurança, a corrupção etc. – para olhar para o outro da mesma espécie e conversar. Hoje em dia, é difícil encontrar alguém que olha para o lado a fim de estabelecer a relação emissor-receptor que é a base da comunicação. Não, preferimos conversar com o cachorro. Ou o gato, no meu caso. Não é delírio, tampouco loucura – é a necessidade de companhia do ser humano que nos faz conversar com os nossos animais de estimação. Presos como estamos em casa, desiludidos com o mundo que nos cerca, acabamos por tratar nossos bichinhos como gente, sendo que apenas carinho, cuidado, atenção, comida é tudo o que eles precisam para serem felizes.

O Homem precisa de tudo isso também, claro, mas aparentemente não é suficiente. Nunca estamos satisfeitos. Nunca estamos felizes. Insatisfeitos e infelizes acabamos por nos isolar. Não conhecemos nossos vizinhos. Ignoramos os necessitados. A brincadeira das crianças é o videogame ou o playground do shopping. Sequer visitamos os amigos com frequência. Enfim, tudo se resume em relações superficiais que nos jogam ainda mais na solidão. Num planeta com sete bilhões de seres da nossa espécie, os únicos que parecem nos conhecer de verdade são os nossos bichos de estimação, porque é o único disposto a nos ouvir. Estamos desistindo de nós mesmos e dos outros. Daqui a pouco haverá quem diga que vida de bicho é melhor do que a humana. Isso sim é loucura. Eu não trocaria de lugar com a minha gata: posso até pensar que o dia a dia dela é fácil, mas isso muda no momento em que vejo onde ela põe a língua. Eca!


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P.S.: Escrevi esta crônica dias antes da minha Ciça ir para o céu dos gatos. Pensei em não publicar, mas depois resolvi homenageá-la. Beijo, Ciça. Faça companhia à minha mãe até o meu dia chegar.

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