Quando foi que
deixamos de conversar uns com outros?
Olho
para a minha gata; ela olha para mim, pisca e mia baixinho, como que reclamando
de que ainda não lhe dei a janta. Converso com ela, como se a mesma me
entendesse, por um bom tempo... Até me dar conta de que há alguém, ser humano,
na porta de minha casa, com a testa franzida e com o olhar de “coitadinha, ta
ficando doida...”.
Não vou aqui discorrer sobre os
motivos que me fizeram conversar com
a gata como se a própria fosse capaz de responder com palavras. Vou falar da
necessidade da pessoa de ter alguém com quem conversar. Se o ser humano estivesse destinado à solidão, Deus não
teria criado a mulher para fazer companhia
ao homem. Entretanto, por motivos que até agora não entendo, a humanidade
deu para conversar com os animais. Talvez seja porque está ocupada demais com
os próprios problemas – é o trabalho, a insegurança, a corrupção etc. – para
olhar para o outro da mesma espécie e conversar.
Hoje em dia, é difícil encontrar alguém que olha para o lado a fim de estabelecer a relação
emissor-receptor que é a base da comunicação. Não, preferimos conversar com o
cachorro. Ou o gato, no meu caso. Não é delírio, tampouco loucura – é a
necessidade de companhia do ser humano que nos faz conversar com os nossos
animais de estimação. Presos como estamos em casa, desiludidos com o mundo que
nos cerca, acabamos por tratar nossos bichinhos como gente, sendo que apenas carinho,
cuidado, atenção, comida é tudo o que eles precisam para serem felizes.
O Homem precisa de tudo isso também, claro,
mas aparentemente não é suficiente. Nunca estamos satisfeitos. Nunca estamos
felizes. Insatisfeitos e infelizes acabamos por nos isolar. Não conhecemos
nossos vizinhos. Ignoramos os necessitados. A brincadeira das crianças é o
videogame ou o playground do shopping. Sequer visitamos os amigos com
frequência. Enfim, tudo se resume em relações superficiais que nos jogam ainda
mais na solidão. Num planeta com sete bilhões de seres da nossa espécie, os
únicos que parecem nos conhecer de verdade são os nossos bichos de estimação,
porque é o único disposto a nos ouvir.
Estamos desistindo de nós mesmos e dos outros. Daqui a pouco haverá quem diga
que vida de bicho é melhor do que a humana. Isso sim é loucura. Eu não trocaria
de lugar com a minha gata: posso até pensar que o dia a dia dela é fácil, mas
isso muda no momento em que vejo onde
ela põe a língua. Eca!
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P.S.: Escrevi esta crônica dias antes da minha Ciça ir para o céu dos gatos. Pensei em não publicar, mas depois resolvi homenageá-la. Beijo, Ciça. Faça companhia à minha mãe até o meu dia chegar.
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