A vida sempre segue adiante, seja qual for o seu curso.
Um relógio cujos ponteiros andam para trás: é assim que
começa o filme “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Durante todo o filme, o
objeto só aparece em dois momentos muito convenientes, no entanto só a ideia
dos ponteiros em sentido contrário lembra a todo momento ao espectador o tema central do
enredo: o tempo, essa correnteza
contra qual é impossível lutar, mesmo para o protagonista que dá nome ao filme.
Não é à toa que na mitologia greco-romana o Tempo é representado pela figura do
deus Cronos, que devorava os próprios filhos. O tempo, ser implacável, só tem
uma direção a seguir, mesmo para alguém como Benjamin Button.
Benjamin, recém-nascido, e sua mãe adotiva. |
Benjamin Button, como ele mesmo diz, nasceu “em
circunstâncias incomuns”: recém-nascido, possui a aparência de um idoso de
oitenta anos. É praticamente a personificação do relógio recém-inaugurado, pois
à medida que ele cresce, suas feições se rejuvenescem. Mas essa aparente
“vantagem” não o isenta de sofrer perdas, preconceitos e engodo: sua mãe morre
no parto; o pai o abandona devido à aparência senil, num asilo para idosos, onde
é adotado por uma das empregadas; os internos, por sua vez, o tratam como
adulto, ignorando que ele seja uma criança; adolescente, se torna marinheiro;
participa da Segunda Guerra; adulto, envolve-se com uma mulher casada. E em todas
essas situações, o tempo e a aparência influenciam direta e indiretamente sua
vida, pois tido como adulto quando criança, e vice-versa, Button vive na contramão do viver, ainda mais quando se apaixona por Daisy, neta de uma das internas do
asilo.
Benjamin e Daisy, ainda crianças. |
Ela é a única que compreende a transformação de Benjamin,
já que se conhecem ainda crianças; cada vez que se reencontram, é sempre uma
intrigante surpresa para ela, pois o amigo está “sempre diferente”. Para
Benjamin, é um sofrimento vê-la ficar ainda mais linda, vivendo uma vida que
ele mesmo gostaria de viver. E é mais ainda, ou melhor, mais triste do que é,
amá-la pura e apaixonadamente, quando lhe é impossibilitado vir a namorá-la
quando adolescentes. Cada um vai para um lado, até se reencontrarem novamente,
já adultos. Ela crescendo normalmente, ele rejuvenescendo ano após ano. O Tempo, este senhor implacável, é o maior obstáculo para o Amor de Benjamin. Mas isso não o impede de levar uma vida cheia de aventuras, e o mais emblemático é quando ele se torna marinheiro. Ele parece sentir que o mar é mais perfeita representação do Tempo, com sua correnteza sempre seguindo numa única direção. E ele, que nasceu nadando contra essa correnteza, aprende que a Vida tem seu curso, como o navio que atravessa oceanos. No entanto, Daisy permanece em seu coração, é a única coisa que não muda. E Benjamin sempre a encontra...
Num desses reencontros, Daisy chega a se insinuar para
Benjamin, que se recusa a ceder à tentação, para a frustração dela. O amor que
ele sente por ela é inocente, sem malícia, ao contrário da paixão arrebatadora
pela mulher casada. Daisy custa a compreender a tamanho amor; mesmo quando
Benjamin a visita no hospital, só o que ela consegue ver é o presente e nada
mais – já o protagonista, este aprendeu com suas vivências que não se deve lutar contra o Tempo, por se tratar de uma guerra já perdida, pois só há um destino para todos os seres viventes. O amor dele, acima de tudo, é paciente
e bondoso, e respeita Daisy e o sofrimento desta por não poder mais ser
bailarina. Algum tempo depois, enfim, eles consumam o romance tantas vezes
adiado, e talvez tudo seria só felicidade – talvez. Daisy engravida.
Benjamin e Daisy, já adultos. |
É o único momento que Benjamin teme o tempo: ele sabe que
não poderá ser um pai igual aos outros. Com pouco mais de quarenta anos, tem a
aparência de um jovem com metade da idade. Mesmo sob os protestos de Daisy, ele
a abandona com a filha, para que ela reconstrua a vida com outro alguém que
possa ser o pai e o marido que ele acredita que nunca poderá ser. E é o que
acontece.
Anos depois, eles novamente se reencontram. Daisy já é
uma senhora e Benjamin, agora num corpo adolescente, sabe que o tempo está se
esgotando e não quer deixar nada para trás. Ele quer vê-la, senti-la, beijá-la.
Daisy também. A correnteza do tempo é diferente para ambos, entretanto não os
impediu de se amarem. Apesar de tudo, para Benjamin, valeu a pena viver cada
minuto. Mas realmente aquele encontro será o último.
Benjamin e Daisy, no fim da vida. |
A partir daí, Benjamin, à medida que seu corpo se torna o
de uma criança, vai perdendo tudo o que possuía: o caminhar, o falar... Suas
memórias estão preservadas num diário, mas sua mente dá sinais de demência.
Daisy ainda assim o acompanha. E é nos braços dela, aos oitenta anos e a
aparência de um bebê que ele deixa este mundo, ao mesmo tempo em que o relógio
dos ponteiros ao contrário deixa de funcionar. Ele a olha amorosamente pela
última vez e fecha os olhos para sempre – e assim termina a vida de um homem
que sempre se deixou levar pela correnteza do tempo, metáfora perfeita para
algo tão intrépido quanto a Vida.
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